segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Dois mundos, um eu.

Desde que li pela primeira vez o Demian de Hesse, não me esqueci mais de sua metáfora para os dois mundos existentes, que ele apresenta logo no primeiro capítulo. De um lado há o mundo de luzes alvas, do conforto e previsibilidade, de outro há o mundo das sombras, muitas vezes desconhecido, onde a existência do desconforto é latente.

O primeiro é algo que se aspira a maior parte do tempo, e muitas pessoas nem conseguem perceber o segundo. Na verdade há algo mais confortável do que um mundo onde só existam linhas retas, apenas luz, onde a esperança é tão forte que chega a ser palpável? (ao longo deste post esses mundos vão ficar mais inteligíveis para todos)

Hesse em sua obra chama atenção para o entrelaçamento que envolve esses dois mundos, como eles são próximos, como eles dialogam o tempo inteiro. Talvez seja nesse ponto que me faço divergir do autor. Em minha vida as coisas costumam ser como “aqua et oleu”, para mim não existe ponto de conexão entre estes dois mundos. Ou melhor, pode até ser que existam, as coisas sempre estão conectadas, mas não consigo viver estas duas experiências simultaneamente.

Essa minha dificuldade em viver em dois mundos ao mesmo tempo, faz com que eu viva intensamente cada experiência, faz com que eu chegue aos extremos, experiemente até as últimas consequências, ou no mínimo as penúltimas, pois a última às vezes não lhe permite experimentar uma próxima. :)

Desta forma, durante toda a minha vida eu fui um dos que apenas conheceu um lado da moeda, e o lado predominante sempre foi o das luzes. E nesse ponto o trocadilho é quase que indispensável, realmente eu sempre fui um bocado iluminista, um bocado racional, um bocado inocente sobre as várias possibilidades que a vida oferece. Isso me fez viver uma vida de conforto sem igual, por muito tempo.

Esse tipo de comportamento fez com que eu relacionasse minha experiência com a de Sinclair (narrador do livro). Enquanto Emil Sinclair afirma que o seu cândido mundo é constantemente bordeado pelo o mundo lúgubre, no meu caso é o contrário – meu mundo sombrio é constantemente bordeado pelo o claro. Para entender esse raciocinio é necesário que eu deixe duas coisas claras, em primeiro lugar não considero esse bordeamento uma interação entre os dois mundos, considero no máximo uma sobreposição em determinados momentos, como uma noite de chuva após um longo e escaldente dia de sol. Em segundo lugar, ao contrário do que pode parecer, não vivo a maior parte do tempo em um mundo sombrio, mas é só nele que o mundo claro pode interferir. Quando estou no mundo inocente, a inocência é plena, o mundo negro não ousa se aproximar de maneira furtiva.

Mas no final das contas eis o mundo negro que toma-me a vida, porém, antes de tudo é importante esclarecer mais um ponto sobre este mundo, o mundo negro não é ruim, e os adjetivos que venho utilizando ao longo do post não são pejorativos. Ele só causa desconforto, é imprevisivel, é muitas vezes impensado, a bússula não funciona dentro deste ambiente. Pense num mundo de trevas, onde você não consegue enxergar um palmo em frente aos seus olhos, é assim que me sinto. E tenho que assumir, isso não é ruim.

Porém, ao contrário do que vinha acontecendo, os insights de luz vêm me visitar a todo momento, a razão, a honra, a virtude e todas essas coisas inventadas ainda fazem parte de mim e seus símbolos ainda são forte como uma ferida aberta, me causam febre, me tiram o sono.

É estranho dizer isso, mas eis o que me incomoda, se agora não consigo ver onde piso por causa da escuridão, antes não conseguia enxergar por causa da forte luz que me cegava, e me dava um rumo a seguir, um rumo circular, sem sentido. Prefiro caminhar sem direção, do que na mesma direção de sempre. Mas de pouco adianta, falta-me coragem. Nietzsche já disse uma vez: “Mesmo o mais corajoso de nós raras vezes tem a coragem para o que realmente sabe”, é exatamente assim que me sinto.

Acho que estou passando por uma crise epistemológica interna, como a da pós-modernidade. A mundo de certezas vem caindo, a cada dia mais. Porém minhas ideologias estão nascendo, cada dia ficando maiores.

Não vou dar exemplos didáticos, como costumo fazer, sobre esses dois mundos, por dois motivos: 1 - se quiserem entender a metáfora de Hesse, leiam o primeiro capítulo de Demian; 2 – não vou expor minha luz e minhas sombras para vocês, nem lhes conheço ora bolas.

Por último, gostaria de terminar novamente com Nietzsche:
Como? Vocês escolhem a virtude e o peito estufado, e ao mesmo tempo olham furtivamente para as vantagens dos irrefletidos? - Mas com a virtude renuncia-se às vantagens.
Pois é, renuncio a virtude, murcho o meu peito e fico com as vantagens. Agora quero aprender a fechar meus olhos quando a luz tocar em minha ética, seja lá qual for. Fazer com que quando o calor cândido do mundo branco tocar minha consciência ela esteja morta, assim como todos esses símbolos que me empurraram goela abaixo durante toda a minha vida.

"A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo."