domingo, 22 de fevereiro de 2009

Marcas

A despeito de que muitos pensam, não consigo pensar na vida de outra forma senão como uma estrutura. Neste post, quando me refiro a uma estrutura, não estou pensando em termos econômicos, históricos ou sociais de modo geral. Estou pensando em nossa própria vida, como ao longo dos anos estruturamos um modo de ser que é autoritário e sufocante.

Autoritário, pois ao longo dos anos alguns eventos ou vivencias mudam nossa percepção e nossa própria possibilidade de ter ou fazer as coisas. Alguns preconceitos não fazem mais sentido racionalmente, alguns cuidados novos precisam ser tomados e outros antigos deixam de ser necessários. Além disso, algumas pessoas que dão certo sentido em sua “estrutura” deixam de fazer parte de sua vida, morrem, se mudam ou simplesmente vão embora. [Ou nesse mundo moderno lhe bloqueiam do MSN]. Isso para falar nos impactos práticos, além desses há os referenciais. Você lê um livro e se identifica com a filosofia do autor e quer segui-lá, você conhece um amigo e acha que ele sim sabe viver, e quer copiá-lo, ou mesmo num filme com filosofias e modos de pensar enlatados em 2 horas de duração você se identifica e vê o quão vazia e sem sentido é sua vida. Porém com tudo isso, com todas essas pequenas mudanças e anseios por outro eu, a sua essência é tão dura como um bloco de concreto, tão bem tramada que por mais que você tente no final sempre nota que andou, andou e não saiu do lugar.

Ao longo destas tentativas de mudança, definimos algumas metas. Externamente são relativamente fáceis de serem cumpridas, como por exemplo, mudar o modo de vestir, começar a beber, parar de beber, começar a fumar, parar de fumar. Decidir falar de tal modo ou não falar, adquirir um novo hobby e assim por diante. Estas coisas precisam apenas de um pouco de força de vontade. Mas quando mudamos ou tentamos mudar essas pequenas coisas estamos tentando reconstruir nossa identidade. De qualquer forma, no estado de auto-desilusão comigo mesmo, estou começando a achar que tudo isso é completamente inútil. É como pintar seu apartamento para achar que mora em um lugar novo, é uma tentativa desesperada de mudanças mesmo que no final, nada mude de verdade. Aqueles preceitos morais, aqueles anos de você mesmo, no fundo não estão mudando, e você sente isso com alguns flashes. Você é outra pessoa 90% do tempo, mas nos momentos cruciais, você se vê assombrado por fantasmas, preso em correntes e simplesmente vê o quão difícil será mudar, e como em toda tarefa demasiadamente difícil, a primeira reação é tentar desistir, sentar na beirada do passeio depois de correr 10 km e ainda faltarem 50. 

Com esse papo todo parece que estou querendo definir uma essência humana, não é bem isso, não acredito nessa essência eterna e pré-destinada, mas que é difícil tirar as marcas da vida, isso é incontestável. E temos que nos habituar com nossas cicatrizes, porém quando essas cicatrizes estão no rosto e você não consegue mais escondê-las, ou mesmo quando elas estão escondidas, mas uma pessoa importante as nota, é realmente desesperador.
Só vejo duas soluções possíveis para esse embate. Se esconder em um quarto escuro para sempre, assim as pessoas não mais notarão suas cicatrizes, ou viver mesmo envergonhado por ser algo que não gostaria de ser até que essa vergonha acabe. O problema com a segunda é que você vai passar por maus bocados, algumas experiências serão traumáticas e poderão deixar novas marcas. É difícil viver longe de sua estrutura confortável e receptiva, as novas realidades costumam ser bem cruéis para pessoas sensíveis. Na verdade é cruel com todos, mas as pessoas sensíveis sentem, ora bolas.

Com relação às pequenas mudanças, apesar de ter dito logo acima que as acho inútil (e realmente é assim que elas têm se mostrado), acredito que em longo prazo podem significar algo. Afinal a vida é como um texto escrito em uma folha branca. O texto não é o papel com um pouco de tinta formando palavras somadas, o texto não é isso separadamente. Ele é a junção destas coisas, o autor o define nos detalhes, no contexto, nos termos, nos exemplos. Racionalmente só consigo pensar que mudando os detalhes, aos poucos se muda toda a narrativa de sua vida. A minha folha não é mais branca, está escrita, amassada e rasurada, mas ainda há alguns espaços nas margens. Talvez só seja preciso reinterpretar e dar um novo sentido as palavras escritas.

PS: comecei o texto com um sentimento horrível de medo, de repente me veio um pouco de esperança, por isso a falta de coesão, sorry.