segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Meu relógio parou

Em uma de minhas anotações de pé de página escrevi: “Como as pessoas são objetivas, como todos são calculistas”. Às vezes faço isso, escrevo nas beiradas das páginas alguns assuntos que não tem nenhuma relação com o texto, é essa minha mania intricada de pensar em várias coisas ao mesmo tempo. A maior parte dos meus posts surgem deste tipo de anotação, como neste caso.

Demorei um pouco para lembrar o que me fez escrever esta frase, mas agora lembrando a situação na qual escrevi me vieram alguns flashes que já são suficientes para escrever este post. Certo dia estava a alguns minutos de sair, lendo um conto de Herman Melville, e então percebi que já estava passando da hora de eu me preparar, trocar de roupa e estas coisas. Ao trocar de roupa fiquei pensando no quanto me tornei calculista e objetivo com o passar do tempo. Mesmo pensando nos exemplos de pessoas que convivem comigo, ou que simplesmente passam pela minha vida aleatoriamente, notei que todas estas pessoas, adultas e responsáveis, no sentido habitual da palavra, eram também extremamente objetivas, pragmáticas.

O que me fez chegar a esta conclusão, são os pequenos detalhes, a principio em meus comportamentos. Ao me preparar para sair escolhi metodicamente o que usar, imaginei as situações possíveis, peguei tudo o que precisava como cigarros, isqueiro, balas e preservativos. Enfim, tentei prever toda a noite para então escolher o que vestir, o que carregar e até mesmo que perfume usar. Tudo bem, até aí nada se caracteriza como exacerbadamente objetivo talvez um pouco calculista somente. Mas vamos continuar com as colocações.

Pensei no fato puro de estar saindo, eu já tinha lugar planejado e previamente combinado. Além disso, até o final de noite já estava planejado, já sabia onde comer, já sabia como as coisas poderiam terminar. Novamente, apenas calculista. O que vai mudando este quadro para objetivo é, nunca me veria saindo sem objetivo, sem um lugar planejado. O objetivo pode ser ouvir uma banda, me embebedar, me drogar, conseguir algum sexo ou uma simples conversa com alguém interessante, mas não me vejo mais saindo sem um objetivo. E estendendo esta questão, não me vejo fazendo nada sem objetivos, quando não se tem objetivos simplesmente não se faz. Ficamos prostrados em frente a TV, ou na Internet olhando sites, em busca de algum entretenimento ou quem sabe um novo objetivo.

Talvez o que cause este comportamento pragmático seja a vida pragmática de um individuo integrante desta sociedade de consumo. Logo aprendemos que para viver temos que trabalhar. Em seguida trabalhamos o mês todo com o objetivo de se ter um salário. E não sabemos ao certo porque precisamos do dinheiro, a não ser para nossa sobrevivência básica, isto é incontestável, sem dinheiro não se alimenta, não se veste, não se existe. Digo não se existe, pois precisamos comprar, precisamos consumir tanto para nos identificarmos com algumas pessoas tanto para nos diferenciarmos de outras. E não consumimos apenas alimentos ou roupas de grife, consumimos filmes cults, músicas que quase ninguém ouve, consumimos até pessoas. Sim, pessoas. Pessoas interessantes, pessoas bonitas ou talentosas, desse tipo que temos orgulho de andar junto, para também afirmarmos nossa condição, seja ela qual for.

Todo esse nosso processo de identificação é alimentado por dinheiro, pois para achar esses elementos, temos que freqüentar lugares pagos, temos que consumir coisas que outras pessoas interessantes consomem, temos que nos vestir adequadamente, temos que beber aquela bebida especial, aquela que cria sua identidade. [Qual é a sua? A minha é um bom Tennessee Whiskey.]

Talvez por essa necessidade latente de consumir e de construir nossa identidade acabamos por nos tornar claramente pragmáticos. Lembro-me que há alguns anos eu me sentava no portão da casa de algum amigo e simplesmente jogava conversa fora. Eu tinha até tempo de olhar para Vênus (o planeta e não a de Botticelli) e olhar o quanto ele “caminhava” pelo o céu durante a noite.

Lembro que podia ficar a mercê do acaso, andar, encontrar um conhecido e andar mais. Hoje em dia o meu tempo vago não é mais vago. Aliás, é bem concreto. Planejo cada segundo, tem o tempo de tocar, o tempo de ler, o tempo de assistir filmes e até mesmo o tempo para jogar conversa fora, o acaso agora é cronometrado. O tempo vago tem hora de começar e hora de acabar. Este é um quadro, não se tem muito o que fazer para mudá-lo.

Mas um dia destes em um das minhas horas vagas planejadas e cronometradas estava sentado em um banco, em uma praça [sem trocadilhos com o programa televisivo por favor]. Estava apenas sentado, e neste momento senti uma ruptura com todo este mundo calculista e pragmático. Já era tarde, e estava apenas esperando dar a hora de pegar um ônibus, mas apesar de estar sem fazer nada com um objetivo, não foi isso que senti no momento.

Naquele momento, não pensei em ônibus, não pensei no outro dia, não pensei em nada. Isso me proporcionou um momento mágico, onde meus sentidos fizeram mais sentido que habitualmente. Pude notar cada detalhe ao meu redor e apenas senti como o momento era bom. Não sei se aquilo era útil, se ia desencadear em outra coisa, só senti o momento. Me senti como aquela criança que via as horas como um monte de regras abstratas, sem sentido. Apenas números.

Pouco tempo depois voltei para a minha realidade e já sou uma pessoa pragmática. Mas se pudesse sentir isso outras vezes, acho que já seria o suficiente para suportar esta rotina que simplesmente existe. Não há para onde correr, nem onde se esconder.

Todo esse sistema, o consumismo e estas coisas que julgamos terríveis acabam no fundo fazendo parte de nós. Sou o sistema, o sistema sou eu. Mas bem que fugir às vezes para outro lugar, um lugar onde o tempo não para, simplesmente deixa de existir, é especial, isto eu não posso negar.