segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Eu, Boi

Eu sou o homem que, assim como aquele boi, vive a comer esse capim gordura. Capim viscoso que me suja os dentes, enseba meus lábios, encarde meu buço. Sou o homem que assim como aquele bezerro nasceu querendo aprender a andar, e depois do longo e árduo aprendizado notou que andar ou deitar aqui nesse curral são apenas sinônimos, como eu e você. E logo aprendi a rasgar minha pele neste arame que me dilacera, todos os dias, todas as noites, acordado, dormindo, drogado ou sóbrio, o arame é a subversão, e meus pelos grudados em sua extensão são a marca de minha rebeldia. Assim como aquela vaca, notei que só sirvo para a ordenha, e nem mais o trabalho de me apalpar querem ter. Sei que tão logo meu leite secar, minha pele murchar, minha coluna envergar, serei jogado no lixo, junto com as cabeças de meus amigos, apodrecendo em algum fosso. Não sou herói, não sou lírico, não sou correto, quiçá honesto. Sou gado, e se sou gado é porque sou seu irmão, somos todos gado. Como bom boi, só espero virar uma picanha e em toda minha carência, receber um elogio, nem que seja sobre o prato de alguém. Ser útil ao deleite alheio, eis nosso destino.