quinta-feira, 13 de maio de 2010

Por volta das 3 da manhã

Já eram duas e quarenta e cinco da manhã, e eu logo pensei como tudo desmoronava sob meus pés, eu já estava sozinho há duas semanas em casa trancado, mal suportava o meu cheiro. Morava então num bairro perto da linha de trem, longe de tudo e perto da parada dos trens. Todo dia as vinte e duas e trinta e cinco o trem buzinava incessantemente tentando avisar alguma coisa, nunca entendi. Além de o acesso as linhas ser restrito, é uma linha de trem, não há pra quem buzinar, o caminho é reto e sem transito. De qualquer forma, há duas semanas esse era um dos únicos contatos que eu tinha com o mundo lá fora.

Eu sentia que agora estava sendo sincero comigo, fazendo tudo aquilo o que eu queria, ou melhor, não fazendo nada que não queria, minha vida se resumia a nada. Tudo que eu via eram fotos coladas na parede de quando eu ainda tinha fé. As fotos de meus amigos sorrindo me criavam uma tremenda angustia. Lembro como era feliz naquela época, mas olhando agora me enrubesço de estar sorrindo em meio a tanta gente patética. Aquilo definitivamente não podia ser real. Ao fundo do painel a parede estava úmida, esverdeada devido ao mofo acumulado de meses, rachaduras por todos os lados. Este sim parecia o plano de fundo de uma vida inteira, decadente e desolada.

Três horas, duas semanas se passaram. Vou até o banheiro e vejo meu reflexo ou algo que deveria ser o meu reflexo. Vejo todo o óleo acumulado de pelo menos três dias sem sequer lavar o rosto, meus dentes estão com um aspecto terrível. Minhas olheiras estão realmente profundas. Toda aquela massa amorfa, com gordura e pelos espalhados em toda sua extensão, aumentam o meu nojo e me fazem lembrar que ali é o meu verdadeiro lugar.

É duro admitir, mas depois de ver todos os seus pilares emocionais destruídos um a um, toda aquela fé acaba dando espaço pra uma compreensão dura e dolorosa de nossa existência. Toda aquela fé se transformou na mais pura e simples fome, uma insaciável fome. Há dois anos como tudo o que me aparece pela frente, devoro experiências, amigos, sonhos e corações. É como se eu fosse um buraco negro e a fé fosse uma luz. Na ausência completa de fé, toda a fé que passou por mim nesses anos foi sugada e transformada em trevas, aqui dentro de mim. Só agora, duas semanas longe de todos esses medíocres românticos que mentem diariamente para si mesmos, me sinto puro, e não tenho mais aquela azia corrosiva. Só sentia o meu próprio hálito pútrido e minha saliva viscosa.

Sentia que todos que lá fora riam da minha imundice, sentia que todos eles estavam felizes jantando e arrotando ao som de Bob Dylan. Sentia o odor ácido de meu corpo imundo e minha consciência limpa como um consultório odontológico.

Três e quinze da manhã, uma vida contada em uma hora e tudo o que eu esperava é que minha morte chegasse em 5 minutos. Mas não, a morte iria demorar mais que o desejado. Após outra hora vomitando pura bile no chão do quarto, tudo o que eu consegui foi dormir. Acabara de desperdiçar as últimas horas antes do fim de minhas férias.