domingo, 19 de junho de 2011

Abaporu entalado

Sou um filho bastardo, degenerado. Filho da pós-modernidade com o romantismo, mas não puxei nenhum dos dois, nenhum deles me acolhe em seus braços. Carrego dentro de mim o gérmen da destruição, o pássaro hesseniano que quebra o ovo para nascer, nascer deformado, sem asas pra voar, nascer em coma, impotente.

Sou o mulato indie, o caboclo nouveau, o cafuzo synthpop, um alienado dissociado com o ego em frangalhos. Laico com chagas cristãs, um pobre macaco em meio a um circo espacial.

Uma pluma no ninho de cucos, Bacamarte que se recolhe em sua casa verde. Um humano fingindo ser um animal em meio a animais fingindo ser humanos.

Aqui jaz um ego, que deu seus últimos suspiros através da ferida de narciso. Afortunado foi Iokanaan que viu a luz antes de perder a cabeça e foi salvo pelo amor. Só o amor nos liberta da obrigatoriedade de ser livres.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sobre túneis, mofo e batatas. (Tipos Urbanos: #1)

A vida é como se fosse um túnel. Longo, escuro e desconhecido. E cada um tem seu próprio túnel, e o mundo é assim, cheio de túneis transversais que se cruzam por um breve momento e depois insistem em se distanciar até o infinito. Essa é a minha história, sua história. Somos paridos, crescemos e morremos sós por mais que sejamos atravessados por dezenas de túneis ao longo do nosso tortuoso caminho. Acontece que em minha idade o meu túnel não parece mais ser tão longo. E posso dizer que aqui, ao final do túnel ele é bem mais estreito e sufocante, e toda aquela história, de uma luz e um campo gramado, de nuvens e chocolate, não parece ser tão certa. Posso jurar que vejo algo no fim, e é apenas um estreitamento, acho que o túnel está se fechando.

Ao meu redor apenas mofo e sujeira. Meu olfato parece ter se degradado junto com meu senso de higiene. Talvez seja a minha visão, não sei ao certo, mas consigo sentir a podridão, talvez seja só eu. Olho no espelho ao final de meu expediente e no início de cada dia e não me vejo. Vejo algumas dobras gordurosas, vejo olhos tampados por pele. Vejo também o meu couro cabeludo encoberto parcialmente por ralos fios de cabelo tingidos de acaju. É triste olhar para o que seria seu reflexo e não saber mais nem a que gênero pertence. 

Somos sós, e sabemos disso. Essa é nossa essência, banal e crua. Naturalizamos tanto a solidão que não as enxergamos, a não ser quando nos vemos entalados em um túnel escuro. Antes desse momento a nossa vida parece ser feita apenas de interseções. que sorriso bonito, quer ir para o meu apartamento? fode, me fode, gosto tanto de você, adoro seu sorriso, eu te amo, nunca me deixe, acho que as coisas perderam o brilho, o encanto, você sabe, eu te adoro, me deixe só, que sorriso bonito, vamos pra um motel, me fode... 

Agora estou aqui, a fritar batatas. Os homens sempre foram feitos de carência, cacetes duros e insegurança. Mas não comigo, não mais. Eu sou quem frita as batatas. Nos meus cabelos ralos um pano, na minha boca pouco mais de uma dúzia de dentes. E no resto, pele velha e relaxada. Não tenho mais gênero. Sou apenas um humano. Eu cago e mijo, mais que nunca diga-se de passagem, e frito batatas.

Nenhum túnel vai cruzar o meu novamente, agora ele é demasiado estreito. Sou só, sempre fui. Mas antes tinha aquela falsa esperança, aquela mesma que você tem. Aquela que talvez fosse a única que me acompanhou a vida inteira, agora não mais. Sou só. Sempre fui.